Há quem diga que é linda.
Há quem diga que a vida é uma bênção e que devemos estar gratos por poder vivê-la.
Eu não!
Enoja-me! Eu repudio-a!
Tudo o que eu sou envergonha-me, tudo o que os outros são faz-me desejar não sê-lo.
Tirem-me daqui!
Deixem-me adormecer e só me acordem quando ela for realmente linda, quando a puder considerar uma mercê e tiver razões para agradecer a oportunidade de viver.


Acordei e achei-a linda…
Há quem não seja capaz de interpretar a vida dando-lhe o devido valor.
Há quem a repudie. Quem se enoje.
Eu não!
Eu encaro as realidades mais simples e valorizo-as.
Afinal, existem coisas tão perfeitas e tão facilmente adquiridas que prezamos em desprezar 
(mera estupidez!).
Agarremo-nos aos factos mais pontuais ou mais rotineiros, mas nossos e belos.
Sonhemos acordados.
Ao olhar para uma nuvem vejamos uma cara sorridente, uma flor ou um avião.
Criemos a nossa felicidade.

Como é triste a realidade!
Como odeio a sensação de que a felicidade só se atinge em sonhos…


Sonha!
Como amo aquilo que sonho...

Tu não vives, tu sonhas acordado!
Eu conheço o que é real. E o real é mesquinho, é horrendo.
(Ah!
Que insuportável a clareza do dia!
Que insuportável a escuridão da noite!
Não posso com o gélido inverno, nem tanto o cálido verão.)


Eu vivo e sonho acordado.
Tu apenas vês a tua realidade, sim, é horrenda.
Eu tenho a minha.
Uso o meu binóculo sem qualquer graduação.
Contemplo o que está perto.
(Ah!
Como vibro com a vida da trovoada.
Melodiosa, dança ao sabor das nossas emoções.
O céu azul preenche-me a alma, o sol aquece o meu cerne.
A chuva, essa, encharca-me de ideia e a neve sacia-me os olhos.)

Não concebo a tua concepção.
Tu não tens objectivos.


De que te serve lutar se nunca te chega?

Porque vives?

Para morar na felicidade em que acredito!
Isso basta!...
E tu? Porque vives se tanto desprezas a vida?

Acredito que um dia ela vai ser realmente linda.
Um dia, num mundo bem diferente deste.
Talvez numa outra encarnação, numa outra dimensão.
Nesta… ah, é praticamente inconcebível.
Só não mergulho na escuridão eterna porque tenho medo, medo de encontrar um sítio bem pior que este…
(como se isso fosse possível, mas com tantas impossibilidades tão pouco prazerosas realizadas… quem sabe….?!)


Ora, essas impossibilidades aflitivas já se realizaram, não é?...
Quem te diz que a vida ser bela, coisa tão pouco provável, não pode ser real?

Agora?
Olha, olha em tua volta…
És cego? Não! Apenas vês o que queres!
Como deambulas tu por uma cidade ignorando um pobre velho que morre à fome na berma da estrada?
Mesmo ajudando-o!
Quantos pobres velhos, tão pobres, existem?
Quantos pobres almas, tão pobres?
Convivo diariamente com pessoas, nojentas, sem quaisquer escrúpulos. Se tiverem que espezinhar um pobre velho, tão pobre, fazem-no. Miseráveis pessoas, tão miseráveis!
(Não estou a falar dos velhos, esses já vivem como vermes, não os rebaixemos mais).


Sim, Agora!
Olha em tua volta.
Começa por ti! Como te focas apenas na sujidade.
Por que é que numa folha branca, na qual se encontra uma mancha preta apenas tomas em atenção a mancha? E todo o resto em branco?
Começa em ti, acredita em ti.

Pobre de mim. Tenho pena de mim!
 (haverá algo mais triste?)
Tenho objectivos, não os concretizo.
Qualquer passo em frente é um recuo!
Tropeço num degrau, caiu da escadaria.


Constrói um corrimão.

É tão fácil falar!

É tão fácil desistir!

Enervas-me!
Cai na real? És um louco, só pode!?
Como é que podes pensar que um dia posso ser como tu?!
Nunca o desejaria, nunca lutaria por isso!


Ainda bem que existes.
Pelo menos assim ainda tenho mais a certeza: tão bom é ser eu.
Acho-a linda. Faz-me sentir tão bem.
Dou o devido valor à vida porque ela me oferece unicamente aquilo que preciso.
Se me desse mais continuava com a mesma felicidade de ter menos.
Amo a vida.
Amo o real e o sonho.
Por ora... sonho…

Não suporto mais manter-me acordado.
Não vou sonhar, nem viver o real.
Por ora… durmo…



Acordei e achei-a....
Qual de mim é que sou hoje?

Escrito por Sofia Laranjeira, um obrigado :)